A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), nova nomenclatura que inclui o antigo Síndrome de Asperger e o Autismo, é uma perturbação do neurodesenvolvimento que se manifesta, tipicamente, durante o período inicial de desenvolvimento da infância. É mais comumente diagnosticada em crianças do sexo masculino, podendo as mulheres serem diagnosticadas mais tardiamente no curso da vida.
É definida por alterações comportamentais na interacção social e na comunicação, em combinação com padrões estereotipados e restritos de interesses e/ou comportamentos.
A PEA pode afectar o modo como a pessoa percepciona o mundo à sua volta, como reage a determinadas situações e como comunica e se relaciona com os outros.
No entanto, existe uma grande variedade de apresentação de sintomas e gravidade nos indivíduos diagnosticados. Enquanto alguns casos apresentam claramente sinais em idades muito precoces, outros evidenciam sintomas mais subtis e que só têm mais impacto na idade jovem ou adulta.
Quais são as principais características da PEA?
A PEA tem três grupos de sintomas centrais:
- Défices persistentes na interacção social e comunicação social, que envolvem:
- Limitação na reciprocidade social ou emocional, ou seja, na capacidade de reconhecer e agir de acordo com as emoções apresentadas pelos outros, (por exemplo, tendência a interpretar de forma literal o que os outros dizem, não conseguir ler a expressão de aborrecimento ou desconforto de um colega ou par, dificuldade em fazer conversa informal com os colegas de trabalho, dificuldade em responder a um cumprimento por não saber como reagir);
- Dificuldade no uso de comportamentos não verbais, como contacto ocular, expressão facial ou gestos;
- Menor facilidade/espontaneidade para partilhar prazeres ou interesses com os outros, pela dificuldade em desenvolver relações interpessoais profundas;
- Incapacidade para desenvolver relações com os pares, adequadas à sua faixa etária (por exemplo, preferência por brincar sozinho, sem demonstrar interesse em interações com outras crianças; dificuldade em compreender ou seguir regras de brincadeiras colectivas; preferência por relações com adultos ou crianças mais novas, devido à dificuldade em acompanhar a complexidade social dos pares da mesma idade; sensação de exaustão após interações sociais prolongadas; tendência para evitar eventos sociais ou sentir-se desconfortável em contextos informais).
- Actividades, comportamentos ou interesses restritos e/ou estereotipados, como:
- Movimentos corporais sempre iguais e repetitivos (por exemplo: andar em bicos de pés, abanar as mãos, torcer os dedos ou mãos, movimentos corporais complexos/movimentos de várias partes do corpo de uma forma específica e repetitiva);
- Interesses intensos, fixos e invulgares (por exemplo: decorar todos os detalhes sobre comboios, desde os modelos até factos históricos, e falar sobre isso durante horas, mesmo que o outro não esteja interessado / passar horas a pesquisar um tema específico, como astronomia, e ter dificuldade em equilibrar esse interesse com as responsabilidades diárias);
- Comportamentos verbais e não verbais ritualizados (por exemplo, balançar-se para a frente e para trás quando está sentada durante muito tempo, bater repetidamente com a caneta numa mesa num ritmo específico durante reuniões);
- Inflexibilidade com rotinas não funcionais, com dificuldade marcada em tolerar alterações às rotinas (por exemplo, dificuldade em tolerar mudanças, sobretudo inesperadas, nos planos ou horários, insistência em seguir uma rotina rígida como vestir a mesma peça de roupa ou usar um objecto específico, fazer um caminho idêntico para a escola ou trabalho, precisar que as actividades diárias ocorram numa ordem fixa);
- Preocupação marcada com partes ou qualidades sensoriais de objectos, que usam de forma repetitiva ou sempre igual (por exemplo, apreciar tocar superfícies lisas ou ásperas, como vidros ou madeira, repetidamente, sem outro objectivo além de explorar a sensação, segurar objectos transparentes, à luz do sol para observar os reflexos e os padrões que se formam; ligar e desligar repetidamente os interruptores de luz para observar o efeito da iluminação);
- Aumento ou diminuição da sensibilidade a estímulos sensoriais (aparente insensibilidade à dor/frio/calor, resposta exacerbada a sons ou texturas, cheiro ou toque excessivo em objectos).
- Alterações da linguagem falada (não acompanhadas por uma tentativa de compensação por meios alternativos de comunicação):
- Atraso ou ausência no desenvolvimento da linguagem oral, não acompanhado por tentativas de compensar através de gestos ou mímica;
- Dificuldade em iniciar ou manter uma conversa;
- Linguagem repetitiva ou idiossincrática (uso peculiar e próprio de palavras, só entendido pela própria pessoa ou por familiares muito próximos).
A PEA manifesta-se de forma diferente nas mulheres?
Sim! As mulheres com PEA podem ter uma apresentação diferente dos sintomas, já que tendem a apresentar:
- mais vocabulário relacionado com emoções;
- maior consciência e desejo de interacção social, conseguindo manter uma ou duas amizades próximas
- tendência para camuflar dificuldades ao desenvolver estratégias alternativas;
- interesses restritos relacionados com pessoas (celebridades) ou animais (ao contrário dos homens, que se interessam mais por objectos inanimados);
- tendências perfeccionistas;
- alterações do comportamento alimentar.
Como algumas destas alterações podem ser atribuídas à timidez e serem mais facilmente aceites no género feminino, o diagnóstico pode ser mais tardio.
Por se tratar de uma perturbação que se manifesta num espectro amplo, a sua gravidade pode classificar-se em 3 níveis:
Nível de gravidade | Comunicação e interacção social | Interesses restritos e comportamentos repetitivos |
Nível 1: Requer apoio | Sem apoio, défices significativos na comunicação social | Interferência significativa em pelo menos 1 contexto |
Nível 2: Requer apoio substancial | Défices marcados, com iniciação limitada e respostas atípicas ou reduzidas | Óbvio para o observador acidental e ocorre em todos os contextos |
Nível 3: Requer apoio muito substancial | Comunicação social mínima | Interferência marcada no dia a dia |
Por ser uma condição complexa e heterogénea, a PEA tem manifestações muito variadas, podendo ir de quadros mais ligeiros, compatíveis com uma vida autónoma, a quadros mais severos, que exigem apoio contínuo. Reconhecer esta diversidade é essencial para uma melhor compreensão e aceitação da PEA, garantindo que as necessidades individuais de cada pessoa sejam respeitadas e atendidas.
Mas o que leva ao desenvolvimento do autismo, ou que factores de risco existem?
E de que forma a investigação tem ajudado a esclarecer as suas causas e a definir estratégias de intervenção?
É isso que vamos explorar na próxima parte. Fique atento ao próximo artigo!